quinta-feira, 17 de setembro de 2009


ESTA É A ÉPOCA EM QUE TODOS DEVEM BRINDAR AO AMOR!!! SEGUE EM ANEXO UM TEXTO DE UMA DE MINHAS POETIZAS PREDILETA!!

Primavera (Cecília Meireles)


A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome,

nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la.

A inclinação do sol vai marcando outras sombras;

e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão,

começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes,

— e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur.

Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação.

Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam:

mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas,

— e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece,

e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim.

Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem,

independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros,

com outros cantos e outros hábitos,

— e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que,

outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos,

que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos;

e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra.

Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume.

E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento,

— por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade.

Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.


Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa

- Volume 1", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.

Nenhum comentário:

Postar um comentário